Bem no alto da cidade, por sobre um enorme pedestal, lá estava a estátua do Príncipe Feliz. Toda ela era revestida por finas folhas do mais puro ouro, por olhos tinha duas brilhantes safiras, e na bainha da sua espada brilhava um enorme rubi vermelho.
Uma noite, uma pequena Andorinha sobrevoou a cidade. Foi então que avistou a estátua no alto do pedestal.
«Quem és tu?» perguntou.
«Eu sou o Príncipe Feliz.»
«Nesse caso, porque choras?» retorquiu a Andorinha; «encharcaste-me.»
«Quando era vivo e tinha um coração humano,» respondeu a estátua, «desconhecia o que eram as lágrimas, porque vivia no palácio da Alegria, onde a tristeza não podia entrar. Os meus cortesãos chamavam-me o Príncipe Feliz, e feliz eu era, se é que o prazer dá felicidade.
Assim, vivi, e assim morri. E agora que estou morto, puseram-me aqui tão alto que posso ver toda a tristeza e toda a miséria da minha cidade. E embora o meu coração seja de chumbo, não posso deixar de chorar.
Ao longe, continuou a estátua numa voz baixa e musical, ali ao longe, numa rua pequena, está uma casa pobre. Uma das janelas está aberta e por ela vejo uma mulher sentada a uma mesa. Num canto do quarto, numa cama, está o seu filho doente. Tem febre e pede laranjas. Mas a sua mãe apenas lhe pode dar água do rio, e por isso ele chora. Andorinha, Andorinha, minha Andorinha, levas-lhe o rubi que se encontra na minha bainha? Os meus pés estão presos a este pedestal e não posso sair daqui.»
E a Andorinha lá entrou e pousou o grande rubi na mesa, junto do dedal da mulher.
«Andorinha, Andorinha, minha Andorinha,» disse o Príncipe, «lá ao longe, no outro extremo da cidade, vejo um jovem num sótão.
Ele está a tentar acabar uma peça para o Director do Teatro, mas está demasiado frio e ele já não consegue escrever mais. Já não há lenha na lareira, e a fome até o fez desmaiar.»
«Ficarei contigo mais uma noite,» disse a Andorinha que, no fundo, tinha bom coração. «Queres que lhe leve outro rubi?»
«Ai! Infelizmente já não tenho mais rubis,» respondeu o Príncipe: «os meus olhos são tudo o que me resta. São feitos de safiras raras, que foram trazidas da índia há mil anos. Tira uma delas e leva-lha. Ele vendê-la-á ao ourives, e com o dinheiro que conseguir comprará lenha e acabará a sua peça.»
«Naquela praça,» respondeu o Príncipe Feliz, «está uma pequena vendedora de fósforos. Ela deixou cair os fósforos na sarjeta e eles estragaram-se. O pai dela bater-lhe-á se ela regressar a casa sem dinheiro, e é por isso que ela está a chorar. Ela está descalça, sem sapatos e sem meias, e não tem nada que proteja a sua cabeça. Arranca o meu outro olho, dá-lho, e assim o pai dela não lhe baterá.»
«Ficarei contigo mais algum tempo,» disse a Andorinha, «mas não arrancarei o teu olho. Assim ficarás completamente cego.»
«Andorinha, Andorinha, minha Andorinha,» retorquiu o Príncipe, «faz o que te digo.» (...)
«Querida Andorinha,» disse o Príncipe, «falas-me de coisas espantosas, mas o mais espantoso de tudo é o sofrimento dos homens e das mulheres. Não existe um Mistério tão grande como a infelicidade. Voa sobre a minha cidade, Andorinha, e diz-me o que vês.»
E a Andorinha voou então por sobre a grande cidade e viu como os ricos se divertiam nas suas casas enquanto os mendigos permaneciam sentados aos portões. Voou até às mais escuras vielas e viu os rostos lívidos das crianças esfaimadas, que olhavam fixamente as negras ruas. Por baixo do arco de uma ponte, dois rapazinhos estavam deitados, abraçados um ao outro tentando manter-se quentes. «Temos tanta fome!» exclamaram. «Não podem ficar aqui!» gritou o guarda nocturno, e lá foram eles para o meio da chuva.
E a Andorinha voltou e contou ao Príncipe o que tinha visto.
«Estou coberto com puro ouro», disse o Principe, «arranca-o, folha a folha, e dá-o aos meus pobres; os vivos estão convencidos de que o ouro traz a felicidade.»
E a andorinha arrancou folha por folha daquele ouro puro, até que por fim o Príncipe Feliz acabou por ficar cinzento e feio. Folha por folha daquele ouro puro a Andorinha levou aos pobres da cidade, e as caras das crianças ficaram mais rosadas, e elas brincavam e dançavam nas ruas e gritavam «agora temos pão!».
Na manhã seguinte, bem cedinho, o Prefeito passeava pela praça na companhia dos vereadores. Quando passaram pelo pedestal, ele olhou para cima: «Valha-me Deus! Que feio que está o Príncipe Feliz!»
A estátua foi então derretida numa fornalha.
Oscar Wilde, O Príncipe Feliz e Outras Histórias (adaptado)
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